sexta-feira, 28 de março de 2014

Águas que correm...


corres dentro de mim 
ora em regato borbulhante de água pura
ora como veneno de dúvidas e segredos
e se 
em tempos de prosa - razão
a dor existe mais aguda
e é mais cruel ainda
ouve-se um choro silencioso de lágrimas
frias
 sentidas
ou de um pranto sem lágrimas
 de si esquecidas
 humidade  seca
que escorre de paredes exangues
de angústia e silêncio

fantasmas alvacentos do passado 
convivem com o hoje e agigantam-se
 resultado de densos véus 
que as minhas mãos foram tecendo
e perdendo
ao longo dum tempo calado e frio
contra um fundo vagamente musical
de silêncio e solidão. 

Manuel Maria

quarta-feira, 26 de março de 2014

Voz do vento...


Havia vento...
O ar embalsamado das fragâncias do alecrim
trazia em tropel recordações de formas,
 de sons... de iridicências
na voz louca e primaveril do vento forte,
 na brevidade morna da tarde que caía ...
no sol de ocaso que ainda abraçava o dia
ou na chuva da véspera que molhara o chão,
ou na macieza do leito
 em que descansara os ossos macerados da labuta do dia.
Era aí que caía nos meus braços a reconhecida ternura 
que ficara comigo.
E aí perdura.
***
Aqui vacilo... nunca sei o que fazer.
Diz-me, se sabes: 
- Que fazer de tanto amor-ternura
congelado pelo tempo em recordações?

Myrna

quarta-feira, 19 de março de 2014

Apenas...não sabia...


Dormia.
Esquecida do mundo, de mim...
dormia.

Havia sol e vida e primavera
 - e não sabia.

Desaprendera de saber.

domingo, 9 de março de 2014

Desesperança...


                                                                                                [ 16.06.89, pelas 11:45 ]
«Vindo a caminho da escola, senti , num frémito repentino, que os jovens me pegaram a sua doença espiritual: a falta de esperança.
Não  a sentem e é a razão pela qual vivem apenas o momento que passa querendo agarrar o instante. Eu limito-me, desesperançada, a deixá-lo passar.
Porém é esta doença profunda que me rói como um velho cancro.
Fazer obra? Para quê?
Projectar um futuro? Que futuro?
É a voz do desespero a falar.
Perdi as minhas muitas certezas.
Hoje ... não tenho certeza de nada.
Einstein e a sua teoria do relativo revolucionou o modo de pensar o mundo, mas penso que o tornou bem mais infeliz...
...Que raio de vida!»

sexta-feira, 7 de março de 2014

Colando cacos...


Numa nesga de azul
colei os muitos cacos
 de passadas lembranças
e havia um sol curioso
e finalmente radioso
que espreitava da janela.

Fora
na líquida claridade do dia
 vida acontecia.

Colar cacos
é reinventar agonia.

domingo, 2 de março de 2014

Fazer coisas...


Para esquecer a vida
fiz coisas:
acariciei com mãos vazias 
de interesses mesquinhos
 flores, frutos, palpei dores
até aprender a ver no outro
o inimigo pronto ao ataque pelo prazer de atacar.
Assim perdida foi a inocência...
Fazer coisas nem foi tanto esquecer de viver
ou da vida não lembrar:
só foi esquecer de chorar.

Mara