domingo, 30 de dezembro de 2018

«Rico é o que a alma dá e tem»...



A ciência, a ciência, a ciência...
Ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência
Ante a riqueza da emoção!


Aquela mulher que trabalha
Como uma santa em sacrifício,
Com quanto esforço dado ralha!
Contra o pensar, que é o meu vício!

A ciência! Como é pobre e nada!
Rico é o que a alma dá e tem.
[...]

Fernando Pessoa [04.10.1934], in Poesias Coligidas/Inéditos

E TUDO O RESTO È NADA!

Inveja...

Não sou capaz de aquecer a madrugada 
Meu corpo cansou, perdeu calor.
Se saio para a noite sinto-me gelada
 Se venho até ti é por um bem maior.


 As melodias da noite enluarada
Negam ilusões de te guardar comigo.
Um só sonho, em meiga luz velada,
Na certeza de um sentimento amigo



Contudo,  ao  olhar o céu ignaro,
Nuvens e sombras pairam lá no alto
A frustrar, negando, um amor claro;


Enfrentar o destino, o tempo, a vida
Causou inveja aos deuses, que, de assalto,
Tentaram manobrar a despedida.


sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Sol gelado....

Sol luminoso que o vento gela 
e nos flagela 
 espanto de cor 
depois dos cinzentos baços
de todo um dia de pesadas névoas 

saída para o sol de inverno
onde toda eu me arrepio...  
 pássaro que sofre no sol 
quando o vento sopra hirto 
das montanhas de neve 
 eriço também as minhas penas
e o frio
não consegue aquecer-mas...


era para sair ao teu encontro 
mas já não fui 
com medo de encontrar-te...

era para te escrever 
mas não escrevi
porque a mão me doía 
(artrite - dizem]

era para abraçar-te
e ao mundo
mas não fui capaz
(bursite - alvitram)

não sei quantos mais -ites
advirão 
mas não esperarei por ti,
 não 


Contudo, se saíres antes de mim
acautela-te da chuva
e das névoas inimigas
dum sol que já não vemos 
mas está ...

M.Silva





sábado, 15 de dezembro de 2018

Gaivota em terra


Outrora sentia a força do mar
em tempestade
e um desejo imenso de infinito
*

Esse  mar desgastou-se
persistente  e louco
incessante e duro
contra os rochedos
...
os encantos da praia
viraram crude
 negro como tição




Gaivota em terra
 sou...
frustrada
fatigada
enrouquecida
alongada do mar infindo
e misterioso
sem asas para me elevar
por sobre as vagas
saudosa de pisar os areais humedecidos
leitos de seixos e conchas nacaradas
trazidas pelas ondas...
cansadas das lides do mar..

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Um chá amargo...



[25-05-2015]


há uma ferida íntima
que sangrou
depois sarou
ao acaso dos dias....
e, de vez em quando.
dói
sempre a fogo lento
para a não esquecer...













assim como um chá
que se quis quente
e esfriou.... 
amargo porque 
frio...
essa é a sensação
de  gelado amargor
que a mim se colou
e ficou...

... servir  bem o chá
 alguém descuidou...

domingo, 2 de dezembro de 2018

Zanga sob o sol de verão...


A espigueira lacerou-me as mãos
 pintou-as de vermelho-sangue
que pingou no chão enegrecido...
sôfrega a terra bebeu -o
sob o sol intenso...
vingativa
  enredou-se-me depois nos meus cabelos 

 zanguei-me

com  força inusitada 
repelou-me também a camisola!

 zanguei-me deveras!

- aquela maninha 
aquela preguiçosa
aquela desgraçada
não deu ainda
    uma única flor!...

Novembro//2018

sábado, 1 de dezembro de 2018

Exploração...


                                  

- Sabes?...
... O mundo lá fora
é um lugar cruel.

... às vezes...

Ah, 
como 
dói 
viver
quando 
falta
a esperança!

                        Manuel Bandeira

...às vezes
 esqueço-me de sofrer
de sentir o frio
de sentir o calor 
de sentir a saudade
de sentir a distância
e até de sentir- 
tout court 
- o conforto

é que
... às vezes...
esqueço-me
de viver.