quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Nuvens que passam...


... Outrora, sonhei que veria alguém descer aquela rampa
                  mostrando o sorriso, 
                                          dando o braço à ternura...

Depois, a ilusão morreu com a calmaria
                     pisada como folhas pelos pés de quem passa - 
                            - folhas dos carvalhos que se abraçam
                      hirsurtos, hirtos e nus 
                                      na friagem do inverno.

No silêncio vivido, 
                      do ar descem os pássaros
                     a cada primavera...
                  com cor, alegria e música
                                    para que as penas voem.

                                

sábado, 13 de julho de 2019

Em jeito de oração...

...Hoje, a lua era uma enorme calote brilhante num céu de um azul tão profundo que me angustiou, talvez porque a luz do sol agonizando tardasse a desaparecer. Atraía-me como forte íman e apetecia-me ficar ali parada, a namorá-la. Porém, fui impedida pela responsabilidade de vários afazeres... e resisti, não sem lhe comunicar mudamente que, mais tarde, numa conversa dum travesseiro inexistente, trocaríamos confidências...
Lua amiga, vela por aqueles que, ainda que o não confessem, sofrem toda a solidão do mundo. Sinto-me de mãos atadas, sem poder valer-lhes.
 Ofusca-lhes um pouco as consciências sofridas com a luz que o sol te empresta e que vivencias com garbo e serenidade, espraiando-a em noites de magia e encantamento, e segreda-lhes que há sempre alguém no mundo que os amou, ou ama, ainda que tenham também sido perseguidos ou injustiçados como cruéis ou indiferentes. 
Não os deixes serem vencidos pela doença e protege-os dos perigos dos seus corações desiludidos ou cansados, muitas vezes bem maiores em talentos e generosidade do que um universo.
E em jeito de pena de ave, leve e suave como teia de seda, adoça-lhes cada dia com toda a imensa ternura da mãe que a todos criou.
Depois... se te lembrares de mim, traz-me, num raio de luar, o ruído calmo do seu respirar tranquilo. Eu ficarei bem e sossegada.
 E quando fores uma bola de luz na imensidão do firmamento, recordarei que te devo a explosão e emoção do afecto que um dia me inspiraste a experiencar...
Boa noite, lua!

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Corre veloz o tempo de viver...


[24.04.19]

Existes para mim por te ter sonhado 
ou por ter-te amado? 
Nem interessa presente ou passado 
tão pouco qualquer futuro razoável...
 Sabendo que te amei em sonhos 
ainda antes de conhecer-te a voz agradável,  
também sei que agora te evoco com carinho  
e , mesmo que não queira, te amarei.
Se passado não interessa,
e o presente é só conversa ...
o que nos resta, afinal?...

Corre veloz, por aqui, o tempo de viver 
E  o amanhã lembra, mas não preocupa...
Que futuro... se tanto tentei afastar-me 
e,se possível, ignorar-te...
e não consegui?
Em que todo o esforço a fazer 
 na tarefa de esquecer
pesou demais na balança
do não acontecer?...
Desisti de forçar a  malfazeja  e masoquista tendência  
dum saudoso lamento 
e dei por aceite 
tudo o que implicasse ter-te 
ao recordar-te. 
Sequei as lágrimas de rejeição e dor  
e regressei,
 renascendo para a vida que restou...
e sussurro a cada hora com voz estremecida 
que, de ti, não quero afastar-me nesta vida
quer haja ou não haja ... amor.


quinta-feira, 18 de abril de 2019

Isto de ser poeta...




Inter-Sonho

Numa incerta melodia
Toda a minh'alma se esconde.
Reminiscências de Aonde
Perturbam-me em nostalgia...

Manhã de armas! Manhã de armas!
Romaria! Romaria!

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Tacteio... dobro... resvalo...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...


Princesas de fantasia
Desencantam-se das flores... 
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 
Que pesadelo tão bom...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 
Pressinto um grande intervalo,
Deliro todas as cores, 
Vivo em roxo e morro em som...

in Poesias de Mário de Sá.Carneiro

sábado, 6 de abril de 2019

Visita da chuva...


  no beiral sombrio a chuva cai...
cai compassada e forte... 
cai  sobre o solo negro e alastra ...
e vai... 
vai arrastada no vento
 num tremor friorento 
que agarra... 
e já não sai... 


estiola as pétalas tenras
 estremecidas
de flores mal floridas... 
esmaga-as com húmido afecto...
lança-lhes esse choro circunspecto
numa bênção tardia ...
humedece folhas...  
rega raízes...
 esconde a luz do sol que cria...
dissolvendo no ar aromas breves... 
mostra matizes 
e
vai levando e lavando 
ao som do silêncio das aves recolhidas
a imensa flor da  humana dor 
em gotas de agonia

M. Silva

        *** Imagens colhidas na net.






quinta-feira, 4 de abril de 2019

Da coragem...

Imagem de Sirlei Passolongo

Algum dia, chegarei a esse ponto sem retorno: 
o de querer desistir.
Mas, por enquanto, não...
que outros desistam de mim, aceito 
 com aquela filosofia de humildade 
e muita paciência que a vida me tem dado.
Porém, se recusar a mim mesma enfrentar o que vier, 
deixar de olhar o mundo pelos meus olhos 
e duvidar das minhas convicções e sentimentos, 
aí- o nada vale a pena 
instalar-se-á para sempre dentro de mim... 
e não merecerei mais viver.

quinta-feira, 28 de março de 2019

...nunca por nunca...


...nunca por nunca este dia foi considerado como feliz... 
e, contudo, hoje foi pleno, calmo, com boas notícias, 
sem desconforto...
...gracias à la vida...
que me há dado tanto...

segunda-feira, 18 de março de 2019

presença da formiga...

Composição de Sirlei L. Passolongo


Despachadinha ,seguiu a formiguita o seu caminho: 
- moreninha, curiosa, determinada 
avançou ou recuou ao longo da manhã sadia
mal vendo quem 
 por tudo ou nada 
ociosamente a perseguia. 


Trabalhadora, empenhada, 
gosta de fazer coisas sempre em prol de alguém...
E como sabe bem chegar à noite cansada!...
Em breve a manhã clara logo vem.
E recomeça a luta, atarefada, 
por não ter que depender de mais ninguém.

A vida segue o seu percurso magoado...
 a morena formiguita esforça o passo 
em que combina saber e labor
nesse trajecto cadenciado 
sobre o rude e quotidiano espaço 
que lhe bebe o suor. 

myrtô





domingo, 17 de março de 2019

acerca do cansaço...


Quando o caminho pesa nas pernas cansadas
quando o sol estrebucha  forte 
e quebra um coração já fatigado
é tão bom repousar na relva fresca e tenra 
assobiando uma melodia suave e dolente
ou exclamando baixinho, num jeito manso:
-Abençoado foste tu, Senhor, ao fazer o descanso!... 




sexta-feira, 8 de março de 2019

Canção do desencontro...



[2009.01.29]
Quem sabe, amor? 
Talvez um dia venhas  
quando já não te quiser
e apenas te souber dizer:
- agora, não.

Exortação...


Desistir? Não desistas, mulher! Nem de ti,
nem de tudo aquilo em que ainda acreditas
ou sempre acreditaste
Se o fizeres, verás que começas a morrer
por dentro
devagarinho
e isso nota-se no teu carinhoso abraço
na luz do teu olhar
agora baço
vê-se no interesse lasso
em  tudo que te envolve ...
e tu não és assim!
E tornas-te em  quase crueldade quando olhas um outro
já sem te dares conta...
Não, não desistas de ti.
Contudo, não deixes que te amesquinhem
ou violentem...
Nem por amor!
Amor é lindo, é bom, em condições de respeito
que
tudo o resto
é sem jeito!

Perder... não perder...

A B C

«Quantas horas perdi 
foi por ti
que as perdi .» 

Vai o meu coração
repetiu a lição: 

-  «Quantas horas perdi 
foi por ti 
que as ganhei... »


Sebastião da Gama, in Cabo da Boa Esperança

terça-feira, 5 de março de 2019

"Lembrança"


Foi naquela tarde, 
 já distante...

Mas foi tão nítido e tão vivo, 
Amor! ,  o beijo que me deste, 
que não consegue ser saudade.


Flor cálida, vermelha flor tenrinha 
que nos lábios contentes me deixaste...


Triste já, o Outono se avizinha.

Só essa flor não quer tombar da haste...

Sebastião da Gama, in Cabo da Boa Esperança

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Não serão perfeitos...


...mas são amores 
e anunciam que
 a primavera não tarda
 e encherá , de novo, 
os nossos olhos
com as maravilhas costumadas 
de cores, de formas ousadas...


... pode ser, então, 
que as palavras  já tão gastas 
emerjam 
novas e belas...,
corajosas,
brancas, azuis, amarelas,
e roubem beleza às rosas 
para encanto e melodia  
das almas dos  poetas

Variações sobre cantares de D. Dinis


Ramo verde florido, 
florido de bela flor,
do meu amor tão querido,
onde está o meu amor?
Diz-me aonde ele está,
aonde está o meu amor,
p'ra que eu buscá-lo vá
florido de bela flor.

Ramo verde tão querido,
tão querido do meu amor,
de belas flores florido,
florido de bela flor...

... Diz-me aonde ele está,
florido de bela flor,
p'ra que eu buscá-lo vá
aonde ele está, o meu amor.

Ramo verde florido, 
florido de bela flor, 
do meu amor tão querido,
tão querido do meu amor.

[1938/05/17]-------------Jorge de Sena, in 40 anos de servidão









segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

sobreviver

[2013.05.12]
que comigo ninguém se preocupe: 
sobrevivo.
melancólica
ansiosa
mas sempre fui sobrevivendo.

interessada no quotidiano
olhando a vida com olhos abertos
e coração afoito 
num mundo ilusório e torturado
onde nunca me consegui encaixar em lado algum;
um alguém que também cedo aprendeu a respeitar a morte. 
 e combates sobre combates
se foram sucedendo
mas não os teus.

consciente gosto de ajudar;
- ajudar é um acto de amor empenhado
 para dar a ideia ilusória
dum pequeno triunfo sobre a vida;
e sei que nunca vou aprender a dizer 
 não.


mordaça...


ano após ano
redimi sonhos 
sufoquei soluções
tiranizei desejos; 
 para eles não havia
esperança nem voz.

 cravaste depois na minha alma
a flecha do encanto
e tudo mudou...

dum animal em cio 
surgiu uma criança
que volveu menina
e se tornou mulher;
deve ter sido este 
 o importante papel
tão bem desempenhado:
fechar num círculo de palavras
a minha vida de mulher. 

[2013-06-22]


ao cair da névoa...


depois de descer a névoa sobre a ausência
terrível foi a sensação do desamparo
 razão de funda dor desgarrada
liquefeita sobre o chão marmóreo
da pele emurchecida
em gotículas geladas
à luz iridescentes
fluindo
sem consolo e sem destino
num sufoco de aflicção
interminável
contínuo

com indiferente incompreensão
pode pedir-se perdão...
 ficar-se legitimado....

perdoa sempre quem ama.
mas aí...
só se sabe que se  sofreu
e  se chorou em vão.

[22.06.2013]

folha ao vento



disseste não querer outra madrugada

... uma te bastou...

 foste cruel  ao pensá-lo...

e nem sonhas quanto
 ao
 dizê-lo.

verão seco

agora
num verão  arfante que sufoca flores
 e dores
lenta triste
surge a brisa
e
 mansa
 passa
acariciando os longos cabelos das árvores
sedentas de sol

devagar
vou-me despindo de ti...

e fico nua

[02.07.2013]

domingo, 3 de fevereiro de 2019

hipótese de ajuda?


não saberei chorar a partida
 ao longo de todo um ano
em que te ausentaste
 e tanto sofri....
talvez que o unir-me a ti em pensamento
toda essa energia enviada...
 tenha surgido  da vontade 
de te ajudar.

 conheci  o teu gosto pela fuga
nessa necessidade de - como menino travesso- 
  te esconderes...
 voltarás a fazê-lo;
 porém conheço também
a tua vontade de arreliar de provocar
 escondido nesse longe 
 onde buscas
 a perfeição
 sonhas sonhos
 sentes desejos 
e prossegues
 na contínua busca de tudo 
o que esperaste da vida.

    eu: sinto só o imenso cansaço de chorar;
de amar... não.

 in sophia -[02-07-2013]

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

entorpecimento ...


Quando dançou no dia 
em fuga à dor para entorpecer
tornou-a mais pesada 
e sem suporte;
qual borboleta tonta,
-ensandecida pela dúvida atroz do faz-de-conta-
 que alou 
ao tentar eclipsar o sol


ergueu-se  depois  penosamente
e sem mentiras
tentando vislumbrar sorrisos
num horizonte fugidio
onde o fogo brilhou

queimou de novo as asas
 no voo...
... despertou

por fim
pela dança entorpecida
a dor  lá acalmou.

Mais uma história de borboleta que dançou...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Encantamento...


Encantar-se é um acto de sensibilidade
e também de inteligência 
porque não nos encantamos com uma criança birrenta...
mas amamos o doce azul de um céu luminoso
em qualquer estação:
 a frágil beleza da flor
ou o sorriso de tudo que seja para nós amor...

e assim vamos levando a vida
talvez não a mais apetecida
mas a que nos dá ânimo
para vivermos
 bem e em paz
 a cada dia
menosprezando a dor.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

humidade salgada...


devagar, devagarinho, à flor do teu rosto
 aflui uma humildade salgada
*
dos olhos apagou-se-te o fogo
 da alma a esperança
*
se a bonança foi ilusão
(nunca chegou)
para quê o choro?
*

foste criança maltratada
que nem sempre conheceu
as razões da sua punição
e se revolta ainda ao saber-se injustiçada
sem vislumbrar perdão para a travessura
*
sentir-se injustamente condenada
foi a maior tortura
*
assim correu a vida...
à partida, dizem que o tempo tudo cura
à excepção da mágoa
culpa da injustiça
do egoísmo
ou da desventura


"Carpe diem"...


E de tudo, do carpe diem, o que ficou? 
Quem virá para guiar os bichos mortais
nos caminhos do futuro?
A morte é o espaço dos corações puros.
Poeta e poesia preponderam
E contra a poesia nada pode o
prestígio infernal dos deuses.

***Cito, sem conhecer a autoria.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

o silêncio

[2009-04-22]

ouço ao longe
 tão longe
um som que enfeitiça...

se o silêncio oprime
mais vale não o pensar
 -a música redime...
  algo nos diz para esperar



não sei que pense ou sinta
nesta algidez infinita
 que me faz sonhar ainda...
 até quando?

este é o soluço contido, infindo
embalado docemente
pelas melodias de Massenet
ou o Adagio de Albinoni...
que tentam embeber a humidade
da face macerada
de uma alma  maltratada...
tão cansada...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

soluço...


vem  de longe o som de um soluço de dor
algures da escuridão

roberto liang

( choro...ou grito?
 ou o recordar de dor sofrida
num mundo onde ternura
é desilusão?)

se houve na vida um amor pequenino,
 começado a brincar
que chegou sem ser esperado
surgindo do nada
 fruto de humanas necessidades
mas que cresceu mansamente 
numa senda de amor;
e se ao beijar  esse amor doce e pequenino
tremeu ao senti-lo latejar
 feliz de o saber ser
maravilhada por se saber a amar...
... acolha-se então esse amor pequenino
 para que não se dissolva no vento...
pois foi dádiva de um destino
quase sempre cruel

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

ao findar novembro...


o sol espreitou, brincou na luz, nas texturas das copas das árvores, nos botões de rosa do jardim
 logo se escondeu depois atrás das nuvens pejadas de água
 a cinza mole do dia espalha-se em redor
molha o silêncio

 as sombras da sala penetram-me,
andam por dentro de mim
e na algidez do dia dum outono quente
 tão cheio ainda de folhas 
  que não tiveram tempo de secar
nem caíram das árvores ou juncarem o chão 
tecendo tapetes de tons queimados,  com ruídos secos, crestados
sou a nitidez que chora

 os dias do outono nunca são unânimes, na forma ou nos conteúdos- 
- as rosas e as outras flores destes dias
lembram mais as duma avançada primavera do que as de um verão macerado
falhou tempo,
falhou doçura
neste corte abrupto entre o fogo do verão e o início das primeiras invernias:
 a um sol abrasador sucederam-se cerce ventos fortes, frio, chuva e neves...

agora, num mesmo dia, há momentos de sol pleno
a alternar com um ambiente de cinza e de chuva mansa,
aquela que ouço afagar-me mansamente as vidraças,
 numa espécie de sussurro ritmado e contínuo

tu, que só foste verdade nos meus braços,
não te afastes
não me deixes
não consigo...
sem ti

acreditar

(2015.12.11)
para viver é preciso acreditar nalguma coisa
ou acreditar pelo menos que valha a pena estar vivo
para nós, para alguém além de nós
e uma alma grande acredita.
Coragem é não acreditar...
e
mesmo assim
ir vivendo.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

sem dobre de sinos...


ainda hoje não sei 
porque o sino não dobrou;
e também não sei 
porque caiu e se quebrou


só me sei viúva de compreensão,
órfã de ternura,
sem vislumbrar nessa imensidão 
onde jaz a desventura
o abraço que me acolha

trago o peito macerado
 olhos vagos e cansados
em breve  mais secos 
do que o ar poeirento

 porque foi no instante, 
no preciso instante  
duma inenarrável emoção 
que me quedei, 
não fui capaz...
e nada dei...

Porquê então
este cruel e vão desejo 
de gritar?...

Yvonne, Lx. [13.04.1970]

sábado, 12 de janeiro de 2019

Farrapos

ontem
 ainda desejei ser pequenina nos braços de alguém...
*
hoje
 choro desiludida o esfarrapar dessa ilusão
*
amanhã 
 calma, indiferente, 
vou olhar a vida de frente
e sem sorrir 
*
e tremente assim vou ficar 
*
desespero?
amor?
ternura?
 tão pouco ódio
que não conheço
*.
só o pranto
 apenas e só
 o pranto...
*
 ao secar
arrastou o desejo vão 
de não mais esperar
*
 tristeza
passou então 
a ser o pão de cada dia 
dum tempo...a esfarrapar.

            Lx. - [13.04.1970]








quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Buracos


Abro  e teço buracos 
no tempo da memória...

vejo através...

...que encontro afinal?

...nem ausência 
nem saudade
nem esperança
nem luz.

Apenas um vago e angustiado eu.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

No rescaldo do tempo

Confidenciou à noite escura e fria
As profundas razões do seu temor
Ao ver em si esse anjo que temia
E o arrastou consigo para a dor.

No rescaldo obsessivo de um cansaço,
Sentida a perda, a mente ensandecida, 
Algo surgiu de estranho, como um laço
E que ligou à sua uma outra vida.


Num tempo longo de luto compungido
Tecido por dúvidas vãs  a esbater 
Em estádios de silêncio entristecido,


Se foi espraiando o torpe desengano 
Enleado no lento entardecer,
Laço frágil, mas firme, de ano em ano.

M. Silva

Uma «chanson morte»... de Fernando Pessoa

Canção III:

 Amais-me vós um pouco? Em sonhos.
Não é amor...

Um nada... O amor que chega ao fim
É doloroso.

Fazei de mim aquele que vos ama,
Não quem eu sou.
Quando o sonho é lindo, até o dia
Sorri.

Quer eu seja triste ou feio - é a sombra...
Para que o dia
Vos seja fresco, fiz-me para vós
Esta  sombra.



* O texto acima é tradução livre do seguinte poema de Fernando Pessoa:

Si vous m' aimez un peu? Par rêve.
Non par amour...

Un rien... L' amour que l' on achève
Est lourd.

Faites de moi un qui vous aime,
Pas qui je suis.
Quand le rêve est beau, le jour même
Sourit.

Que je sois triste ou laid - c' est l' ombre...
Pour que le jour
Vous soit frais, je vous fais ce sombre
Séjour.