sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

entorpecimento ...


Quando dançou no dia 
em fuga à dor para entorpecer
tornou-a mais pesada 
e sem suporte;
qual borboleta tonta,
-ensandecida pela dúvida atroz do faz-de-conta-
 que alou 
ao tentar eclipsar o sol


ergueu-se  depois  penosamente
e sem mentiras
tentando vislumbrar sorrisos
num horizonte fugidio
onde o fogo brilhou

queimou de novo as asas
 no voo...
... despertou

por fim
pela dança entorpecida
a dor  lá acalmou.

Mais uma história de borboleta que dançou...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Encantamento...


Encantar-se é um acto de sensibilidade
e também de inteligência 
porque não nos encantamos com uma criança birrenta...
mas amamos o doce azul de um céu luminoso
em qualquer estação:
 a frágil beleza da flor
ou o sorriso de tudo que seja para nós amor...

e assim vamos levando a vida
talvez não a mais apetecida
mas a que nos dá ânimo
para vivermos
 bem e em paz
 a cada dia
menosprezando a dor.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

humidade salgada...


devagar, devagarinho, à flor do teu rosto
 aflui uma humildade salgada
*
dos olhos apagou-se-te o fogo
 da alma a esperança
*
se a bonança foi ilusão
(nunca chegou)
para quê o choro?
*

foste criança maltratada
que nem sempre conheceu
as razões da sua punição
e se revolta ainda ao saber-se injustiçada
sem vislumbrar perdão para a travessura
*
sentir-se injustamente condenada
foi a maior tortura
*
assim correu a vida...
à partida, dizem que o tempo tudo cura
à excepção da mágoa
culpa da injustiça
do egoísmo
ou da desventura


"Carpe diem"...


E de tudo, do carpe diem, o que ficou? 
Quem virá para guiar os bichos mortais
nos caminhos do futuro?
A morte é o espaço dos corações puros.
Poeta e poesia preponderam
E contra a poesia nada pode o
prestígio infernal dos deuses.

***Cito, sem conhecer a autoria.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

o silêncio

[2009-04-22]

ouço ao longe
 tão longe
um som que enfeitiça...

se o silêncio oprime
mais vale não o pensar
 -a música redime...
  algo nos diz para esperar



não sei que pense ou sinta
nesta algidez infinita
 que me faz sonhar ainda...
 até quando?

este é o soluço contido, infindo
embalado docemente
pelas melodias de Massenet
ou o Adagio de Albinoni...
que tentam embeber a humidade
da face macerada
de uma alma  maltratada...
tão cansada...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

soluço...


vem  de longe o som de um soluço de dor
algures da escuridão

roberto liang

( choro...ou grito?
 ou o recordar de dor sofrida
num mundo onde ternura
é desilusão?)

se houve na vida um amor pequenino,
 começado a brincar
que chegou sem ser esperado
surgindo do nada
 fruto de humanas necessidades
mas que cresceu mansamente 
numa senda de amor;
e se ao beijar  esse amor doce e pequenino
tremeu ao senti-lo latejar
 feliz de o saber ser
maravilhada por se saber a amar...
... acolha-se então esse amor pequenino
 para que não se dissolva no vento...
pois foi dádiva de um destino
quase sempre cruel

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

ao findar novembro...


o sol espreitou, brincou na luz, nas texturas das copas das árvores, nos botões de rosa do jardim
 logo se escondeu depois atrás das nuvens pejadas de água
 a cinza mole do dia espalha-se em redor
molha o silêncio

 as sombras da sala penetram-me,
andam por dentro de mim
e na algidez do dia dum outono quente
 tão cheio ainda de folhas 
  que não tiveram tempo de secar
nem caíram das árvores ou juncarem o chão 
tecendo tapetes de tons queimados,  com ruídos secos, crestados
sou a nitidez que chora

 os dias do outono nunca são unânimes, na forma ou nos conteúdos- 
- as rosas e as outras flores destes dias
lembram mais as duma avançada primavera do que as de um verão macerado
falhou tempo,
falhou doçura
neste corte abrupto entre o fogo do verão e o início das primeiras invernias:
 a um sol abrasador sucederam-se cerce ventos fortes, frio, chuva e neves...

agora, num mesmo dia, há momentos de sol pleno
a alternar com um ambiente de cinza e de chuva mansa,
aquela que ouço afagar-me mansamente as vidraças,
 numa espécie de sussurro ritmado e contínuo

tu, que só foste verdade nos meus braços,
não te afastes
não me deixes
não consigo...
sem ti

acreditar

(2015.12.11)
para viver é preciso acreditar nalguma coisa
ou acreditar pelo menos que valha a pena estar vivo
para nós, para alguém além de nós
e uma alma grande acredita.
Coragem é não acreditar...
e
mesmo assim
ir vivendo.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

sem dobre de sinos...


ainda hoje não sei 
porque o sino não dobrou;
e também não sei 
porque caiu e se quebrou


só me sei viúva de compreensão,
órfã de ternura,
sem vislumbrar nessa imensidão 
onde jaz a desventura
o abraço que me acolha

trago o peito macerado
 olhos vagos e cansados
em breve  mais secos 
do que o ar poeirento

 porque foi no instante, 
no preciso instante  
duma inenarrável emoção 
que me quedei, 
não fui capaz...
e nada dei...

Porquê então
este cruel e vão desejo 
de gritar?...

Yvonne, Lx. [13.04.1970]

sábado, 12 de janeiro de 2019

Farrapos

ontem
 ainda desejei ser pequenina nos braços de alguém...
*
hoje
 choro desiludida o esfarrapar dessa ilusão
*
amanhã 
 calma, indiferente, 
vou olhar a vida de frente
e sem sorrir 
*
e tremente assim vou ficar 
*
desespero?
amor?
ternura?
 tão pouco ódio
que não conheço
*.
só o pranto
 apenas e só
 o pranto...
*
 ao secar
arrastou o desejo vão 
de não mais esperar
*
 tristeza
passou então 
a ser o pão de cada dia 
dum tempo...a esfarrapar.

            Lx. - [13.04.1970]








quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Buracos


Abro  e teço buracos 
no tempo da memória...

vejo através...

...que encontro afinal?

...nem ausência 
nem saudade
nem esperança
nem luz.

Apenas um vago e angustiado eu.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

No rescaldo do tempo

Confidenciou à noite escura e fria
As profundas razões do seu temor
Ao ver em si esse anjo que temia
E o arrastou consigo para a dor.

No rescaldo obsessivo de um cansaço,
Sentida a perda, a mente ensandecida, 
Algo surgiu de estranho, como um laço
E que ligou à sua uma outra vida.


Num tempo longo de luto compungido
Tecido por dúvidas vãs  a esbater 
Em estádios de silêncio entristecido,


Se foi espraiando o torpe desengano 
Enleado no lento entardecer,
Laço frágil, mas firme, de ano em ano.

M. Silva

Uma «chanson morte»... de Fernando Pessoa

Canção III:

 Amais-me vós um pouco? Em sonhos.
Não é amor...

Um nada... O amor que chega ao fim
É doloroso.

Fazei de mim aquele que vos ama,
Não quem eu sou.
Quando o sonho é lindo, até o dia
Sorri.

Quer eu seja triste ou feio - é a sombra...
Para que o dia
Vos seja fresco, fiz-me para vós
Esta  sombra.



* O texto acima é tradução livre do seguinte poema de Fernando Pessoa:

Si vous m' aimez un peu? Par rêve.
Non par amour...

Un rien... L' amour que l' on achève
Est lourd.

Faites de moi un qui vous aime,
Pas qui je suis.
Quand le rêve est beau, le jour même
Sourit.

Que je sois triste ou laid - c' est l' ombre...
Pour que le jour
Vous soit frais, je vous fais ce sombre
Séjour.